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sábado, novembro 16, 2024
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Solta ou em presídio “estou ferrada”, gritou dona de creche em delegacia da Polícia Civil de Naviraí

Denunciada por tortura em creche clandestina, Caroline Florenciano dos Reis Rech, de 30 anos, ficou completamente transtornada após a prisão. Na delegacia, conforme registro policial, a dona da “escolinha” se alterou bastante durante o tempo que passou na DCAM (Delegacia de Atendimento à Mulher) de Naviraí, que investiga os crimes.

Consta no auto de prisão em flagrante que ao ser informada do direito de permanecer em silêncio e quais eram os termos das acusações feitas contra ela, a mulher começou a gritar. Dizia que não falaria nada, que tudo que havia sido presenciado pelos policiais por meio das câmeras escondidas era verdade e que ela “errou”, mas que nunca havia dopado crianças ou mandado que a funcionária, Mariane de Araújo Correia, 26, desse algum remédio para os meninos ou meninas de quem cuidava.

Ainda na delegacia, Caroline ameaçou tirar a própria vida, porque se fosse solta ou para presídio, estaria “ferrada”. Depois da crise, decidiu dar sua versão sobre os fatos.

A dona da creche foi interrogada na companhia do advogado Mauro José Gutierre. Admitiu que não tem graduação na área de educação ou pedagogia e ainda que o local, onde “matriculou” 36 crianças desde janeiro deste ano, não tinha alvará para funcionar como estabelecimento educacional. À delegada Sayara Baetz, ela afirmou que para ser babá não precisa de formação.

Contou que começou a cuidar de 22 crianças em casa, há quatro anos e, em janeiro, decidiu montar o “Cantinho da Tia Carol” em prédio alugado, no Bairro Sol Nascente, em Naviraí. Garantiu ainda que nesses quatro anos nunca teve problemas, mas que tudo mudou na sexta-feira passada, dia 7, quando um dos garotinhos que cuida, de 2 anos, quebrou a televisão da creche.

“Eu estava nervosa porque precisei comprar outra televisão”. Caroline disse também que a menininha que apanhou dela diante das câmeras “dá muito trabalho” e “não para quieta”.

Delegados e investigadores de Naviraí viram e ouviram, ao vivo, a bebê de 11 meses sofrendo agressões físicas e psicológicas na segunda-feira, dia 10, quando começaram monitoramento à distância usando equipamentos de filmagem escondidos instalados no estabelecimento com autorização judicial. Além disso, assistiram à menina ser dopada. Diante da violência e risco que crianças corriam nas mãos de Caroline, a equipe da Polícia Civil decidiu invadir a creche e prendeu as duas adultas que estavam no local.

De acordo com o registro policial, “logo no início da operação, às 10h35, a investigada Caroline agrediu fisicamente uma bebê, posteriormente identificada como menina* de 11 meses”. Segundo a descrição, pelo monitoramento em tempo real, foi possível ver que a criança estava em um colchão no chão, sozinha, e havia saído do local, momento que a cuidadora pega a pequena e joga de volta no acolchoado.

“Foi perceptível a violência empregada por Caroline, bem como a intenção de castigar a pequena criança em virtude do choro”, anotou a delegada Sayara Baetz, que redigiu o documento.

Treze minutos depois, a garotinha voltou a chorar e, então, apanhou. Como o equipamento instalado no “Cantinho da Tia Carol” captava imagem e áudio, conforme registrado, a investigada xingou a criança de “sem vergonha” e comentou com a funcionária que quando a menina começasse a andar, “estavam lascadas”.

A bebê continuou chorando sozinha, mas logo parou. Neste momento, equipe da DAM foi enviada para ficar de prontidão próximo à creche caso fosse necessária intervenção rápida.

Os policiais que permaneceram na delegacia perceberam que as imagens não estavam sendo gravadas e diante da necessidade da coleta de provas, técnicos foram chamados para resolver a questão.

Quem assistia à câmera começou a estranhar que a menininha estava há muito tempo parada, não tentava se levantar do colchão, engatinhar ou se arrastar, parecendo estar dopada. Às 12h45, a funcionária de Caroline foi vista dando remédio para a neném, que logo dormiu.

A equipe do monitoramento notou ainda que as duas mulheres ficavam o tempo todo sentadas, mexendo no celular, sem olhar para as outras crianças no ambiente. Mesmo constatando que boa parte das cenas não haviam sido gravadas, policiais decidiram invadir o local e prender a dupla.

Sobre os episódios de violência testemunhados por policiais, no depoimento, Caroline disse: “Só coloquei ela deitada à força e dei uns tapinhas na cabeça para ela dormir”. Disse que não viu Mariane dar remédio à criança e que logo cedo deu nove gotas de paracetamol para a bebê, a pedido da família. Por isso, a garotinha estava sonolenta.

Admitiu que tinha Dramavit – remédio para enjoo, vômito e tontura, mas que tem efeito sedativo – na creche, mas alega que era de uso pessoal, porque sofre de labirintite. Afirmou ainda que tem as fichas de todas as crianças, contendo anotações dos medicamentos que devem ser ministrados a pedido dos pais, e que os registros serão entregues no momento oportuno por seu advogado.

A investigação começou quando mãe de “ex-aluno” procurou a polícia denunciando agressões sofridas pelo filho na creche. Há relato de criança que teve a cabeça arremessada contra sofá e pano colocado na boca para “engolir” o choro. Caroline nega.

Automutilação 

Caroline afirmou no interrogatório que não foi agredida por nenhum dos policiais que efetuaram sua prisão e depois de depor, às 20h30 do dia 10, passou por exame de corpo de delito no Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal) de Naviraí. Ficou registrado que ela não tinha lesões.

Mas, às 9h do dia seguinte, a mulher foi levada novamente ao Núcleo de Clínica Médica Forense, porque amanheceu com os braços arranhados. Ela disse que se autolesionou com o aparelho dentário durante a noite, alegando a intenção de se suicidar.

Prisão preventiva – “Tia Carol” tem ficha na polícia como profissional do sexo. No fim da tarde desta terça-feira (11), o juiz Paulo Roberto Cavassa de Almeida decidiu manter a dona da creche presa para a “garantia da ordem pública, dada a gravidade concreta dos fatos, consubstanciada pela violência contra crianças”.

Para o juiz, a mulher pode cometer outros crimes se for solta. “A indiciada possui extensa ficha criminal a indicar se tratar de pessoa de má índole, perigosa e com possibilidades concretas de reiteração delituosa. Além disso, tendo em vista a potencial facilidade de acesso, tanto às crianças, que ainda não foram submetidas a exames periciais, bem como quanto aos respectivos familiares, mantê-la em liberdade, ao menos por ora, seria uma medida temerária, sendo necessária a sua retirada cautelar do convívio social, não vislumbrando que outra medida cautelar diversa seja suficiente e adequada”.

Caroline já respondeu processos por injúria, denunciação caluniosa, calúnia, difamação, ameaça, comunicação falsa de crime, furto, violência doméstica, vias de fato, maus tratos e contravenções penais, conforme consta na certidão de antecedentes criminais expedida no dia 11 e anexada o auto de prisão em flagrante.

A funcionária pagou fiança de R$ 1.320,00 (um salário mínimo) e deixou a delegacia, mas o juiz registrou que poderá “reexaminar” a ideia de permitir que ela responda a inquérito e processo em liberdade.

Outro lado

A reportagem tentou contato com Caroline através do número de celular deixado por ela em anúncios de vagas para a creche, mas ninguém atendeu. Recado foi deixado na caixa postal.

O advogado da dona da “escolinha”, Mauro José Gutierre, enviou texto assinado pela cliente à reportagem que diz: “os fatos não deram da forma como estão sendo divulgados e propagados nas redes sociais”.

O defensor informou ainda que a cliente está em cela da delegacia, enquanto aguarda transferência para presídio em outra cidade, uma vez que Naviraí não tem unidade prisional para mulheres. Ele ainda analisa a possibilidade de fazer pedido de liberdade à Justiça.

A reportagem não conseguiu contato com Mariane. Ela não tem advogado. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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