Quem passa pela Rua Sete de Setembro, principalmente entre as ruas Rui Barbosa e Pedro Celestino, já consegue notar a diferença que o trabalho de requalificação desenvolvido pelo Reviva Campo Grande está fazendo. As benfeitorias já percebidas são o asfalto e calçamento novo e padronizado, além disso, a via também recebeu microdrenagem para acabar com os pontos de alagamento. Porém, antes de ser a rua modelo da revitalização do centro, a Sete de Setembro foi palco para muitas histórias e acontecimentos que ficaram gravados no tempo e na memória.
Para contarmos a história dessa rua, precisamos voltar um século no tempo, quando a Sete era conhecida como Rua Alegre, que abrigava todo tipo de comércio, casas de show, bares e, segundo relatos, até um consultório de ciências ocultas. Seu nome foi dado no projeto de arruamento de 1909, em homenagem à declaração de Independência do Brasil, em 1922.
Junto com a criação da rua surgiram cabarés, bares, bilhares e pensões ao longo dela. Nas crônicas do escritor Paulo Coelho Machado, a Sete aparece como uma via que abrigava as pessoas menos favorecidas da época, já que as que tinham comércios prósperos mudaram-se para a 14 de Julho, Calógeras e Dom Aquino, que ficavam mais próximas à estação de trem, área de grande circulação, tanto de gente como de recursos. Dessa forma, ali moravam jagunços, pistoleiros, peões de fazendas e alguns “tipos” mais excêntricos.
Entre os estabelecimentos, estava a célebre casa noturna Fecha Nunca, que ficava aberta durante o dia todo: nas primeiras horas era frequentado por famílias e, após determinado horário, transformava-se em um prostíbulo. O espaço era conhecido em todo o Estado e até fora dele.
Outro endereço que fez fama foi o Dancing Guarany, um cabaré espaçoso entre a Calógeras e a 14 de Julho. Em seus anos de glória, até 1950, o bar reunia jovens de todos os cantos para bailes de carnaval que duravam até três dias. Posteriormente, foi transformado em um comércio comum.
A Rua Alegre marcou a cidade com o seu pioneirismo no cinema, ao receber as primeiras projeções de filmes: a primeira foi quando Chico Fotógrafo chegou na cidade com seus retratos móveis e, depois, quando o italiano Rafael Orico veio com o cinematógrafo, exibindo filmes debaixo das mangueiras do Hotel Democrata e no Fecha Nunca. Em 1913, foi inaugurado na Sete o Cine Ideal, que funcionava às quintas-feiras, sábados e domingos.
Ainda de acordo com as crônicas de Paulo Coelho Machado, nos anos de 1950 foram feitas campanhas para que a Sete deixasse de abrigar prostíbulos, pois era considerada área central e com potencial para outros comércios. Com a expansão da cidade, esses estabelecimentos se espalharam pela periferia.
43 ANOS DE TRADIÇÃO
Inaugurado em 1978, um dos pontos mais conhecidos da rua Sete de Setembro é a tradicional esfiharia da família Thomaz, fundada pelo imigrante libanês José Thomaz, que descobriu em Campo Grande seu lugar no mundo. Hoje, a loja está na segunda geração, com os filhos do fundador no comando e a terceira já está sendo preparada para tocar o negócio no futuro.
Contudo, anos antes da esfiharia ser aberta e tornar-se famosa, a Sete já servia de terreno fértil para a família. Marina Mazine Thomaz, a matriaca, nasceu e foi criada em uma casa do lado oposto da rua e, em 1934, chegou José Thomaz, que fixou morada na esquina com a Rui Barbosa.
O primeiro negócio da família foi um bar e lanchonete onde vendiam comidas árabes feitas por Marina. Já nessa época, contavam com a ajuda de José Thomaz Filho, um dos filhos. Como esse não era o tipo de culinária que queriam fazer, em 1978, Thomaz decidiu abrir a esfiharia que até hoje segue funcionando, sendo um dos negócios mais antigos da Sete de Setembro.
Enquanto o tempo passava, José Thomáz Filho fez da rua a extensão de sua casa. “A gente fazia campinho [de futebol] no meio da rua para jogar bola. Embora eu tenha começado a trabalhar muito cedo, o tempo livre, fim de semana era na rua, só entrava em casa pra dormir e a mãe pegava a gente pra desencardir. Foi uma infância maravilhosa”, recorda.
E ainda completa em meio a risos: “Minha casa sempre foi o ponto de encontro da gurizada. Eu podia estar ou não, porque meus pais eram e são até hoje amigos de todos eles. Já teve vez de eu chegar de viagem e eles estarem aqui fazendo churrasco e diziam: viemos te procurar, mas você não estava, então, sua mãe disse pra gente ficar”, lembra.
Hoje, com as transformações na rua por conta do Reviva, Thomaz é só otimismo. “Era um sonho ver a rua transformada. Eu tenho três negócios aqui, então, qualquer coisa que venha melhorar e que dê qualidade na área central, para nós, é a cereja do bolo”.