Ao tomar conhecimento das possíveis irregularidades por meio de uma reportagem do Correio do Estado, o deputado federal Marcos Pollon (PL-MS) decidiu acionar órgãos federais contra a Organização Não Governamental (ONG) Missão Evangélica Caiuá, com sede em Dourados (MS), que recebeu, nos últimos nove anos, repasses de R$ 432 milhões para atuar na saúde indígena em Mato Grosso do Sul, mas não oferece o devido atendimento aos indígenas internados no Hospital e Maternidade Indígena Porta da Esperança.
O parlamentar sul-mato-grossense enviou ofícios para o Ministério da Saúde, requerendo ações emergenciais relacionadas à saúde dos indígenas em Mato Grosso do Sul, ao Ministério dos Povos Indígenas, solicitando medidas emergenciais relacionadas às condições precárias de saúde dos índios no Estado, e à Secretaria Especial de Saúde Indígena, cobrando medidas emergenciais e fiscalizatórias nos hospitais indígenas.
Além disso, Marcos Pollon ainda fez um requerimento à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) requerendo informações relacionadas às medidas que estão sendo aplicadas diante da omissão das ONGs e da falta de acesso dos indígenas a direitos básicos.
Ele também encaminhou representação ao Ministério Público Federal (MPF), denunciando a omissão de ONGS que receberam recursos e não aplicaram de forma responsável.
O deputado federal elaborou uma Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) ao Tribunal de Contas da União (TCU) para requerer investigação sobre a destinação de recursos recebidos por ONGs para os hospitais indígenas em Mato Grosso do Sul e outras unidades da Federação.
Ao criticar a tentativa, a todo custo, de usar a questão dos yanomamis como palco político, ele também se posicionou favorável à criação de uma Comissão Temporária Externa para o acompanhamento e a fiscalização da situação dos yanomamis em Roraima após denúncia de genocídio.
Segundo Marcos Pollon, é inadmissível que ONGs se utilizem do sofrimento dos povos originários para captar recursos sem que o dinheiro seja plenamente investido nessas comunidades.
“Por isso, considero que seja necessário apurar onde realmente foi aplicado esse montante, uma vez que é inegável a precariedade em que se encontram essas pessoas e uma quantia desse vulto é mais do que suficiente para poder atender a comunidade indígena de Dourados. Isso é grave e nós observamos esse modelo sendo empregado em várias regiões do Brasil, utilizando dos povos originários em situação de vulnerabilidade para obter recursos que não são aplicados devidamente”, declarou.
ENTENDA O CASO
Apesar dos repasses milionários recebidos pela ONG Missão Evangélica Caiuá, o Hospital e Maternidade Indígena Porta da Esperança não oferece o devido atendimento aos indígenas internados.
Durante visita exclusiva do Correio do Estado, ex-funcionária da unidade hospitalar, que preferiu não se identificar com receio de sofrer represálias, informou que já presenciou diversos casos de desassistência, negligência e falta de alimentos e de materiais de higiene para os pacientes internados no hospital.
A unidade de saúde atende as aldeias Jaguapiru e Bororó, que têm uma população de aproximadamente 18 mil habitantes, segundo o Censo, além de outras etnias que moram na região.
A reportagem esteve no município de Dourados no dia 1º de fevereiro a convite da própria ONG Missão Evangélica Caiuá para uma visita ao Hospital Porta da Esperança, localizado dentro da comunidade indígena das aldeias Jaguapiru e Bororó.
Acompanhada da diretora administrativa Rosângela Maria Andrade dos Santos e do coordenador administrativo Ângelo Augusto Gomes dos Santos, a equipe observou as instalações do hospital, principalmente nos setores primários de ambulatório e emergência.
A estrutura que foi apresentada à reportagem conta com farmácia, cozinha, laboratório de análises clínicas, salas de atendimento com cilindros de oxigênio e equipamento de ultrassom, além de maternidade equipada para partos.
No entanto, a equipe do Correio do Estado não teve acesso ao pavilhão onde os pacientes ficam internados por medidas de segurança hospitalar, segundo a coordenação do hospital.
O local, de acordo com a Missão Caiuá, conta com os leitos que estão disponíveis conforme a demanda. Uma das principais reclamações das fontes ouvidas pela reportagem é sobre a comida que é servida aos indígenas internados e a higiene básica oferecida aos pacientes.
“Para os indígenas, são servidos arroz, feijão e farinha. Às vezes tem ovo, não tem um cardápio definido, pensado para a necessidade de cada paciente, e quando vai uma verdura ou uma fruta, é doação do [programa] Mesa Brasil, eles não compram. Não tem roupa de hospital nem sabonete para os pacientes”, revelou a funcionária.
No local, fomos informados pelo diretor Ângelo Gomes de que o Hospital Porta da Esperança tem 140 funcionários, 70 deles indígenas, e que até a data da visita (quarta-feira) o hospital tinha apenas 12 internados sob supervisão médica.
Em conversa com a ex-funcionária do hospital, ela declarou à reportagem que a Missão Caiuá e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) usam o hospital como “cabide de emprego” para a família deles e que os funcionários com Ensino Superior sempre são da igreja.
“O reverendo fala que são 70 funcionários indígenas, mas quando é superior, já vem da igreja”. Ela ainda comentou sobre a diretoria que administra o hospital atualmente.
“Lá [Hospital Porta da Esperança] muda muito a gestão, a nova administração vem da Sesai, e o coordenador e a diretora são casados. Ela [Rosângela] não tem gestão hospitalar, chegou a falar em reunião que aprenderia a fazer ali”.
A fonte também declarou que o serviço para internados é bem precário. “Hoje em dia, o hospital atende a população em geral do Sistema Único de Saúde [SUS], a comida é precária e os lençóis são sujos”.
LIDERANÇAS
Em entrevista ao Correio do Estado, o coordenador administrativo do Hospital Porta da Esperança, Ângelo Gomes, declarou que o local tem convênio firmado com a prefeitura de Dourados, mas tem custeio acima dos subsídios recebidos.
Segundo o coordenador, o hospital recebe, por mês, R$ 215 mil da prefeitura de Dourados, valor que em cinco anos de contrato deve totalizar R$ 12,9 milhões em repasses.
“Fizemos várias reuniões no ano passado com os secretários de Saúde local e estadual. Hoje, o custo operacional do hospital por mês é de R$ 350 mil a R$ 400 mil, e só com folha de pagamento são R$ 290 mil. Conseguimos os recursos que faltam por meio de doações e de parcerias”, disse Ângelo ao Correio do Estado.
Atualmente, a entidade é responsável pela gestão de nove convênios nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso do Sul e Roraima. O coordenador do hospital também disse que atrasos de repasses do governo dificultaram a manutenção dos serviços aos pacientes.
Vice-capitão da Aldeia Jaguapiru, Tainha, em entrevista ao Correio do Estado, falou sobre as dificuldades nos atendimentos em saúde para os indígenas. “A gente teve reuniões com os diretores do hospital e da ONG.
Para nós, eles falaram que está faltando verba, que estão precisando de ajuda para custear leito, medicação, alimentação. Reclamamos para eles que os índios estão sendo mal atendidos lá”, relatou.
Tainha também comentou as notícias que ligam a entidade a possíveis desvios de dinheiro. “A gente ficou sem entender por que faltam coisas, com tanto dinheiro que eles recebem e a gente passando necessidade”, salientou.
Com informações do Correio do Estado