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sábado, novembro 23, 2024
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Liderança relatam maus tratos contra indígenas presos em MS e denunciam ‘armação’ da Polícia

Esposas de indígenas presos há duas semanas em Dourados, após desocupação de área reivindicada como tradicional, denunciam maus tratos. Também há relatos de que algumas provas usadas no flagrante foram forjadas. Levados pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, 9 deles cumprem prisão preventiva na PED (Penitenciária Estadual de Dourados).

“Essas armas que a Polícia Militar fala que foram encontradas com nossos patrícios não eram deles. Trouxeram para incriminar a gente, para justificar uma prisão injusta”, comenta uma liderança acampada na retomada Yvu Verá.

No entendimento do indígena a polícia não usou a verdade no dia em que esteve na área reivindicada pela comunidade e também pela empresa que iniciou a construção do muro do condomínio. “Onde que nós índios vamos ter dinheiro para comprar uma arma daquelas lá?”, questiona.

“Eles usaram mentira para levar os patrícios lá na delegacia. Será que polícia pode fazer isso? Pra mim isso é um crime. (…) Falaram vamos lá na delegacia assinar uns papéis aí vocês voltam. Mas eles não voltaram. Tão lá preso até hoje. E nós queremos eles soltos porque não devem nada”, relata a liderança, ressaltando que alguns dos presos pertenciam a outra retomada.

Segundo relato de Dona Rosalina, o marido estava indo para o trabalho e apenas passava pelo local quando foi levado para a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário).”Ele me contou que está sofrendo muito com o frio, que não tem casaco para vestir e está descalço”, conta a esposa.

O casal tem seis filhos. Dois deles ainda são pequenos, com dois e quatro anos. “Ele me contou que está sofrendo muito com o frio, que não tem casaco para vestir e está descalço”, conta a esposa.

“Eles estão passando frio e com fome. Estão recebendo comida crua, arroz cru, feijão. Eles não têm coberta e dormem no chão frio, sem colchão e sem nada”, relata Sandra outra mulher acampada na retomada. Ela é esposa de um cacique que também está em uma cela da PED.

“Essas armas que a Polícia Militar fala que foram encontradas com nossos patrícios não eram deles. Trouxeram para incriminar eles, para justificar uma prisão injusta”, comenta uma liderança acampada na retomada Yvu Verá.

“Quero meu marido de volta. O que fizeram com ele é uma grande injustiça. Nós apenas estamos reivindicando o que é nosso. Tenho dois filhos pequenos que pedem pela presença do pai. Além disso, nossa família está sofrendo ameaças de jagunços de outras propriedades que estão rondando nossos barracos. Estamos todos com muito medo”, diz a indígena de 24 anos, esposa de um dos presos.

Segundo a indígena que pediu para não ser identificada, além das crianças, com ela também moram mais quatro irmãs e dois idosos. Um deles de quase 120 anos. “Se acontecer algum ataque, não temos para onde correr e nem eles teriam condições físicas para isso. Quem anda armado são eles”, comenta a esposa de um dos detidos, com lágrimas nos olhos à reportagem do Midiamax.

A reportagem do Midiamax entrou em contato com a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) ainda na sexta-feira (21), quando recebeu as denúncias, mas até o momento não recebeu nenhum posicionamento. E espaço segue aberto para esclarecimentos.

Recomendações do MPF e DPU

Um documento elaborado pela DPU (Defensoria Pública da União) e também pelo MPF (Ministério Público Federal) recomenda ao Governo do Mato Grosso do Sul que ordens de retirada e reintegração de posse em terras indígenas ocorram somente mediante consulta ao Conselho de Intermediação de Conflitos Sociais e Situação de Risco.

A medida, segundo os dois órgãos federais, é considerada primordial para reduzir o impacto de conflitos fundiários envolvendo comunidades indígenas, matéria que no Brasil está sob análise dos tribunais superiores.

A ação policial mais recente registrada em terras indígenas aconteceu no início do mês, quando a tropa de elite da Polícia Militar, por ordem da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), atuou em remoção de indígenas que ocuparam área em Dourados onde construtora ergueu muro. O local está nos limites de terra que passa por processo de demarcação. Nove indígenas foram presos, entre eles o ex-candidato ao Governo de Mato Grosso do Sul, Magno Souza (PCO). Pedido de liberdade foi ajuizado no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) e ainda espera por análise.

Entre as ponderações da nova recomendação, DPU e MPF também lembram que ações judiciais que discutem a posse e demarcação de Terras Indígenas estão suspensas por decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 1.017.365/SC) até que a corte superior realize o julgamento do marco temporal correspondente à matéria.

Uso desproporcional de força

O documento também ressalta que a referida ação policial “se deu mediante uso desproporcional da força e sem autorização judicial, utilizando-se de disparos de bala de borracha e lançamento de granadas de efeito moral contra o grupo indígena, resultando na lesão corporal de, pelo menos, três indígenas”.

O documento também faz referência a determinação do STF para que tribunais de justiça e tribunais regionais federais instalem comissões de conflitos fundiários que sirvam de apoio operacional aos magistrados para a retomada da execução das decisões suspensas e que medidas administrativas para remoções coletivas de pessoas vulneráveis sejam realizadas com o conhecimento prévio e manifestação das comunidades afetadas.

A recomendação é destinada ao secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, que tem o prazo de cinco dias, contados a partir do recebimento formal do documento, para responder. Caso deixe de observar a conduta indicada no documento, DPU e MPF podem adotar as medidas administrativas e judiciais cabíveis.

(…) em todo e qualquer processo de desintrusão ou reintegração de posse com o emprego da polícia, notadamente do Batalhão de Choque da Polícia Militar, seja realizada mediante prévia oitiva do Conselho de Intermediação de Conflitos Sociais e Situação de Risco, conforme dispõe o art. 2º, caput, da Lei n. 3.807, de 17 de dezembro de 2009”, reitera o documento, que é assinado pelo procurador do MPF, Marco Antônio Delfino de Almeida, e pela defensora do MPU, Daniele de Souza Osório.

Medida é prevista em Lei

A Lei nº 3.807/2009 orienta para que qualquer procedimento objetivando vistoria, reintegração, desocupação ou demarcação de terras, sejam públicas ou privadas, que exijam a atuação de força policial requer a solicitação prévia e a manifestação do Conselho de Intermediação de Conflitos Sociais e Situação de Risco do Mato Grosso do Sul.

O colegiado é composto por autoridades estaduais, municipais e representantes do Ministério Público Estadual, da Defensoria Pública Geral do Estado, do Poder Legislativo Estadual, do Tribunal de Justiça do Estado, da Ordem dos Advogados do Brasil e tem dentre suas atribuições determinar a suspensão das operações pelo período que julgar conveniente, até que possa reunir elementos necessários para a análise definitiva da ação.

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