O Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS) realizou 41 abortos legais em 2023/2024, sendo o único de referência em Mato Grosso do Sul. O procedimento é feito desde 2016 na unidade, conforme a lei prevista no Código Penal Brasileiro.
Os números são do setor de Serviço de Atenção ao Aborto Legal e Violência Sexual do HUMAP. No ano passado, realizaram a interrupção gestacional de casos que variam desde gravidez que coloque em risco a vida da mãe até oriundos de violência sexual.
Entenda o aborto legal
Está previso no Código Penal brasileiro (Artigo 128) que o médico pode realizar a interrupção da gravidez, com auxílio de sua equipe, sem que sofra punições.
O aborto legal está previsto em caso que a gravidez coloque em risco a vida da gestante; de estupro (tido como “aborto humanitário”); e feto anencefálico.
O médico ginecologista e obstetra, membro da equipe do Serviço de Atenção ao Aborto Legal e Violência Sexual do HUMAP, Ricardo dos Santos Gomes, explicou para o Correio do Estado que os critérios de interrupção gestacional vão desde má formação fetal até vítimas de estupro.
“A gente tem o caso da vítima de violência sexual, que é o mais comum, casos de [bebês] anencéfalos. Em 2023, tivemos dois casos de mulheres com critério de aborto por conta de risco de vida, quando a gravidez aumenta o risco de mortalidade dela”.
“Nos dois casos, foram pacientes que tinham câncer e precisavam [ínterromper a gestação], porque atrasar nove meses o tratamento, poderia levar ao óbito [delas]. E temos também o caso que é quando o bebê possui uma má formação incompatível com a vida”, completou.
O ginecologista explicou que, no caso específico de má formação fetal incompatível com a vida – o que eventualmente levará a morte do bebê após o parto -, não está previsto em lei, portanto é necessário a autorização de um juiz para realizar o procedimento.
Nestes casos, a família entra com a solicitação na Defensoria Pública e, em pouco tempo consegue autorização para que o aborto legal seja realizado.
“É igual um anencéfalo, é que este caso já está na lei. Um exemplo [desse caso] que a gente teve aqui, o bebê que não tinha os dois rins. Ele vai sobreviver à gravidez inteira, mas quando nasce vai morrer”, esclareceu o especialista.
Dados de 2023
2 interrupções por risco de vida materna;
1 interrupção por anencefalia fetal;
1 interrupção por malformação fetal incompatível com a vida com autorização judicial;
6 casos de gravidez fruto de abuso que a paciente optou por manter a gestação;
37 casos de gravidez fruto de abuso que a paciente optou pela interrupção da gestação, sendo que 36 interromperam em 2023 e 1 em 2024 (atendimento inicial em 29/12/23);
Segundo o Ricardo, a lei nunca estipulou o tempo gestacional no aborto legal, enquanto pela concepção da área da saúde o procedimento é compreendido até vinte semanas e acima disso é tido como um parto prematuro.
“Para a lei, não. O aborto é morrer na barriga, interromper a gestação. Nunca houve na lei uma definição de idade gestacional”, explicou.
No entanto, o ginecologista frisou que, apesar da lei não estipular um tempo exato para o aborto, quanto mais cedo o procedimento for feito, menos prejudicial será para a mulher, físico e psicológicamente.
Período de internação
Abaixo de 10 semanas – 1 dia de internação
Entre 10 e 20 semanas – A paciente fica entre 2 a 4 dias
Acima de 20 semanas – Mais dias de internação
Os casos em que a paciente chega com gravidez acima de 20 semanas, conforme relatou o especialista, em sua maioria, trata-se de adolescentes vítimas de abuso sexual.
Acolhimento
A assistente social Patrícia Ferreira da Silva, trabalha na equipe, auxiliando com o acolhimento, disse que em todos os casos, as mulheres passam por uma equipe multiprofissional que contempla em uma escuta única do ocorrido, com a preocupação da não revitimização da mulher diante da violência que ela já vivenciou.
“Fazemos uma escuta qualificada, e orientações sobre o que é de direito relacionado a situação em que [a mulher] está vivendo. Os casos que vem para cá, são aqueles por conta de uma violência sexual, gerou uma gestação, e a partir disso fazemos todas as orientações dos direitos que cabem a essa mulher”, relatou a assistente social.
Dentre os direitos, há o de entrega para adoção previsto em lei. Nesta situação, a mulher faz todo o pré-natal na unidade e é encaminhada para o projeto Dar à Luz, da Vara da Infância, em que uma equipe psicossocial acompanha esse período.
A escolha de levar a gravidez adiante e entrar no programa para colocar o bebê para adoção não se trata de algo definitivo, conforme disse a assistente social.
Também foi esclarecido pela assistente social, que não é obrigatório procurar a polícia após a escuta qualificada para registrar a ocorrência, embora a paciente seja orientada a procurar a Casa da Mulher Brasileira para os devidos procemitentos.
“Mas deixando claro que ela não precisa fazer o boletim de ocorrência, o direito ao atendimento a saúde, é baseado nesse acolhimento com qualidade”
“Quando falamos de adolescentes que são um pouco mais frágeis, mais sensíveis de lidar, porque estamos falando de meninas de doze, treze, quatorze anos, nestes casos a escuta é em conjunto com o responsável legal”, apontou Patrícia.
Em caso de divergência, em que a adolescente quer interromper a gestação, no entanto, a responsável não, o caso segue para Defensoria Pública, onde ela receberá o acolhimento para que tenha o seu direito de escolha garantido por lei.
Como proceder
A mulher vítima de violência sexual não precisa do boletim de ocorrência para realizar o aborto legal. O agendamento do atendimento é feito por meio do telefone (67) 3345-3090. Será agendada a primeira consulta em que a paciente passará por exames necessários para que o procedimento seja marcado.
Quando a mulher chega na unidade, é realizado um termo circunstanciado em que a paciente relata o ocorrido, como data, local, e o que aconteceu. Ao optar pelo aborto legal, precisa assinar o termo de consentimento, sendo que será tomado todo o cuidado para verificar se ela está dentro dos critérios. E, por fim, um termo de aprovação que a equipe toda assina.
Além disso, o termo de responsabilidade, que basicamente indica que em caso de mentira a paciente estará cometendo dois crimes: de aborto e falsidade ideológica. Caso ocorra uma denúncia, mesmo sendo algo sigiloso da paciente, um juiz pode requerer o prontuário durante um eventual julgamento.
Interior
O Humap-UFMS é o único hospital referência em aborto legal em todo o Estado. Vítimas de violência que residem no interior do Estado, devem procurar a Secretaria de Saúde do município, que entrará em contato com a Secretaria de Estado de Saúde (SES).
Todos os municípios possuem o telefone da unidade, de modo que, após entrar em contato com SES, alinham quando a paciente será encaminhada para a realização do procedimento.
Sigilo
O sigilo médico e paciente é garantido por lei, deste modo, o prontuário não pode ser divulgado, tão pouco o caso será informado à polícia, a não ser por meio de uma decisão judicial.
Cabendo a mulher optar se deseja ou não oficializar a denúncia na Casa da Mulher Brasileira. No entanto, o membro da equipe da Humap, ressalta a importância do registro de ocorrência, já que o estuprador pode vitimar outras mulheres.
Vítimas por município
Amambaí 1
Anhandui 1
Antônio João 1
Bodoquena 1
Caarapó 1
Campo Grande 25
Caracol 1
Corguinho 1
Corumbá 2
Japorã 3
Naviraí 1
Paranhos 1
Rio Brilhante 1
Rio Negro 1
São Gabriel do Oeste 1
Sidrolândia 1
Três Lagoas 2
Humap: (67) 3345-3090