Aliete e Claudio, assim como todas as 7,8 bilhões de pessoas do mundo, são diferentes. Ela faz parte do grêmio estudantil da sua escola e gosta muito de matemática. Ele, que não é tão bom em matemática, destaca-se na natação e, no próximo mês, participará de uma competição em Fortaleza, no Ceará.
Os dois fazem parte de uma história de conquista de direitos iniciada no século passado e que teve importante capítulo em 30 de março de 2007, há 15 anos. Nesse dia, o Brasil e outros 85 países assinaram, em Nova Iorque, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A assinatura desse tratado é lembrada todos os anos em Mato Grosso do Sul por meio da Lei 4.830/2016, que instituiu o 30 de março como o Dia Estadual da Educação Especial.
De autoria do deputado Pedro Kemp (PT), a lei, segundo informa o autor na justificativa do projeto, “é uma forma de prestar homenagem a todos os profissionais, familiares e segmentos da sociedade organizada, envolvidos com o processo de escolarização da pessoa com deficiência”.
A instituição do Dia Estadual da Educação Especial integra uma legislação que remonta, no Brasil, à década de 1990. A Lei 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), já reservava um capítulo para a educação especial. Na nova redação dada pela Lei 12.796/2013, que alterou a LDB, a educação especial é definida como “modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”.
A legislação, quando vista apenas como palavras no papel, parece vaga, distante. Mas quando ganha concretude em vidas como as de Aliete e de Cláudio explicita seu verdadeiro sentido: o do exercício dos direitos.
Aliete Carolina Souza, 18 anos, e Claudio Nicolas Luna, 15, têm deficiência intelectual leve. Eles cursam o segundo ano do Ensino Médio na Escola Estadual José Antônio Pereira, conhecida como “JAP” e localizada no bairro Taveirópolis, em Campo Grande. Nessa escola, há 13 alunos da educação especial.
Aos preconceitos, Aliete responde com a vontade de ajudar
“Tenho 18 anos. Tô no segundo ano. Quando eu nasci já tive problema no meu cérebro. Eu tenho dificuldade pra escrever. Eu escrevo tudo errado”. Foi com essa descrição que Aliete iniciou a conversa com a reportagem, realizada na sala de recursos da escola. Antes da entrevista, ela estava com alguns colegas no pátio em uma reunião do grêmio estudantil.
Nos minutos em que rememorou fragmentos de sua vida, Aliete falou de problemas na primeira infância, de preconceito, de bullying que sofria na escola anterior, das amizades construídas na atual escola e de como tem sido ajudada pela educação especial.
A fala era acompanhada, em alguns instantes, de uma expressão triste. Mas, na maior parte do tempo, o que ela exibia era um rosto sorridente, que combinava bem com a parede do fundo da sala, onde se via um desenho de borboletas coloridas saindo em voo de um livro aberto e a seguinte frase: “Como as aves, as pessoas são diferentes em seus voos, mas iguais no direito de voar”.
“Sou mais boa em matemática. É que puxei meu pai. Mas não gosto muito de ler, essas coisas…”, contou Aliete sobre sua relação com os estudos. No entanto, como a escola é mais que livros e teorias e a aprendizagem não se restringe a conteúdos específicos das disciplinas, Aliete também aprende muito sobre vida, respeito e amizade no ambiente escolar. “Na outra escola sofria bullying, mas aqui eu tenho amigos”, comparou.
Na escola atual, Aliete não tem, de modo geral, do que se queixar. No entanto, em outros espaços, a adolescente, que pretende se tornar professora de matemática, ainda enfrenta um problema de complexa resolução: a discriminação. “Todo mundo ri da minha cara, que eu falo tudo errado. Eu fico de boa, nem escuto o que eles estão falando de mim”, contou.
Com sua participação no grêmio, a estudante inverte a equação de quem a discrimina: contribui para a construção e não para destruição. “Tô no grêmio, porque eu quero ajudar. É uma coisa que gosto de fazer”, contou. Ela busca ajudar e também é ajudada. E, de modo fundamental, essa ajuda vem da educação especial. “Eles me ajudam mais na leitura, que eu tenho mais dificuldade, porque eu erro todas as palavras… algumas. Eles preparam atividade. Eu leio. Aí eles corrigem. Estou aprendendo aos poucos”.
Na piscina do mundo, Claudio Nicolas voa com seus braços
Das lembranças da infância, Claudio Nicolas destaca duas: a dificuldade em sala de aula e a facilidade na piscina. “Tenho mais dificuldade em matemática, em português, história… em quase todas as matérias”, disse. Esse problema ele não encontra na natação. “No primeiro dia da natação, eu levei o macarrão [tipo de flutuador usado em piscina], mas já voltei sem o macarrão. Tinha sete, oito anos. Com dez anos já comecei a competir”, lembra-se.
Com o mundo inteiro cabendo numa piscina, Claudio usa seus braços para alçar voos. No dia 20 de abril, ele viaja à Fortaleza para participar de uma competição de natação. As futuras braçadas poderão ser em piscinas do campeonato brasileiro e das Paralimpíadas. “Seu eu pegar um índice certinho em Fortaleza, eu vou pro campeonato brasileiro. Aí se eu ganhar, vou competir nas Paralimpíadas”, planeja.
Mas Claudio Nicolas quer também nadar com a mesma habilidade nas águas da educação. Aluno novo na escola, ele passou a ser atendido neste ano na educação especial e já tem boas expectativas. “Às vezes, eu perco a concentração, não consigo saber direito da matéria. Mas agora, [a educação especial] vai dar uma ajuda pra concentrar mais”, afirma o estudante, confiante em tempos melhores e avanços em seus índices na educação, duas coisas que ele já conhece bem na natação.
Em MS, 3.160 alunos são atendidos na educação especial
Aliete e Claudio fazem parte do universo de 3.160 estudantes com alguma deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação, atendidos pela educação especial de Mato Grosso do Sul. O número, relativo aos dados de 2021, foi informado pela pedagoga Adriana Buytendorp, coordenadora de Políticas para Educação Especial da Secretaria Estadual de Educação.
De acordo com a coordenadora, mais de 1,2 mil profissionais trabalham na educação especial de Mato Grosso do Sul. “Isso envolve professores atuando no apoio especializado, tradutores intérpretes de Libras, instrutores e mediadores da modalidade oral ou sinalizada, que é voltada para aqueles alunos com deficiência auditiva, que são protetizados ou que têm implante nuclear. Temos também professores de salas de recursos multifuncionais, equipes técnicas, que funcionam nas 11 coordenadorias regionais e, além disso, temos seis centros de educação especial”, listou Adriana. Ela informou ainda que há no Estado 168 salas com recursos multifuncionais que atendem estudantes no contraturno.
A coordenadora explicou que o trabalho realizado na educação inclusiva é, ao mesmo tempo, amplo, por envolver série de recursos e estratégias, e específico, por considerar as particularidades de cada estudante. “A educação especial é responsável por prover as condições e possibilidades desses estudantes no âmbito da escola. E isso inclui a disponibilidade de recursos materiais, recursos humanos, tecnologias assistivas e outras metodologias necessárias para que os estudantes tenham, no seu contexto, uma rede de apoio necessária a partir de suas condições específicas”, afirmou.
A educação especial é muito importante no auxílio aos professores no trabalho com os alunos com deficiência, conforme destaca a coordenadora Adriana. “A educação especial é fundamental, porque ela atua em conjunto com as equipes escolares. Ela vai prever e prover o tipo de recurso, o tipo de apoio necessário, a intensidade do apoio que o aluno necessita”, disse.
O trabalho da educação especial não será sempre o mesmo – isso tanto em relação aos alunos entre si quanto a cada aluno em diferentes momentos de sua vida. “Todos os recursos de apoio, sejam humano ou material, são pensados ao longo de um plano de atendimento individualizado”, destacou a coordenadora. “Nosso papel é trabalhar o estudante na sua condição integral para que ganhe autonomia e se torne um sujeito inserido na sociedade, respeitando suas limitações, mas potencializando todas as suas habilidades”, finaliza.