Denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pela prática de vários crimes, os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) Waldir Neves Barbosa, Iran Coelho das Neves e Ronaldo Chadid devem continuar na mira da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF).
Apesar das denúncias oferecidas pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, pelo menos um inquérito continua em andamento e um outro foi instaurado nesta semana, informou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão no despacho em que recebeu uma das denúncias oferecidas pelo MPF e notificou os acusados para se defenderem em um prazo de 15 dias.
“Considerando que o Ministério Público Federal, em manifestação complementar à denúncia (fl. 1.458), aduz que a presente ação penal ‘não esgota as condutas sob investigação, na medida em que outras linhas investigativas continuam sendo aprofundadas, especificamente no âmbito do INQ 1432’, queira a Coordenadoria da Corte Especial proceder à autuação de novo inquérito para o prosseguimento das investigações, ao qual deverá ser juntada a integralidade deste feito, bem como apensadas as Cautelares Inominadas Criminais nº 21/DF, 58/DF e 81/DF”, afirmou o ministro Francisco Falcão, informando que as investigações contra os conselheiros continuam.
A vice-PGR foi clara quanto à continuidade das investigações: “Sendo assim, pretende-se trazer nesta denúncia as imputações relativas às hipóteses investigativas em relação às quais os elementos de prova já fornecem a necessária justa causa, sem prejuízo da continuidade das análises e do aprofundamento da apuração, nos autos do INQ 1432”.
Os três conselheiros do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul estavam afastados de seus cargos desde dezembro do ano passado, quando foram apartados de suas funções pelo Superior Tribunal de Justiça, sob suspeita de comandar um esquema de peculato, corrupção e lavagem de dinheiro que envolvia uma empresa que, supostamente, deveria prestar serviços de informática à Corte de Contas: a Dataeasy.
Neves e Iran são denunciados por peculato (desvio de dinheiro público) e por fraude em licitação. Eles podem ser submetidos, caso condenados, a uma pena que pode ultrapassar mais de duas dezenas de anos na prisão.
Além disso, a vice-PGR pediu para que eles percam seus cargos, ou sejam: sejam excluídos (uma espécie de demissão) do serviço público. Já Chadid (que teve a denúncia desmembrada) foi acusado por Lindôra Araújo de corrupção e lavagem de dinheiro.
Nos casos de Iran e Waldir, ela pede que os dois ex-presidentes do TCE-MS (juntamente com outros réus, como os servidores Parajara Moraes Alves e Douglas Avedikian, além dos donos e representantes legais da Dataeasy) sejam condenados a indenizar o erário em R$ 106,494 milhões.
A indenização resulta de cobrança de danos morais coletivos, em valor que se assemelha ao prejuízo causado no esquema de peculato envolvendo a empresa terceirizada usada para promover uma farra de contratações e de pagamentos com a verba do Tribunal.
A Operação Terceirização de Ouro, desencadeada em dezembro do ano passado, foi a ação que resultou na denúncia da PGR e também no afastamento dos conselheiros de suas funções. Na ocasião, o MPF e a Polícia Federal queriam a prisão preventiva de Waldir Neves, Iran Coelho das Neves e Ronaldo Chadid, mas o ministro Francisco Falcão optou pela medida cautelar, que é válida até o mês que vem.
Dilema ético
Como as investigações vão continuar e a medida cautelar atual cessa seus efeitos em junho, é possível que MPF e Polícia Federal peçam a prorrogação do afastamento dos três.
Um eventual retorno dos conselheiros às suas funções e uma provável aceitação da denúncia por práticas de crimes como peculato, corrupção e lavagem de dinheiro poderia criar um dilema ético: uma situação em que conselheiros do TCE-MS que respondem por corrupção teriam de analisar a regularidade das contas de municípios e de autarquias, e até mesmo eventuais casos de corrupção.
Esquema
Os inquéritos que continuarão em andamento no STJ permitem o prosseguimento da investigação do esquema de desvio de dinheiro do TCE-MS. Conforme apurado pela PF na Operação Terceirização de Ouro, o esquema criminoso teria resultado em desvios de aproximadamente R$ 106 milhões de 2018 para cá.
Para que os envolvidos se apropriassem dos recursos, a empresa Dataeasy, que tinha um grande contrato de prestação de serviços, e também muito genérico, comandava o esquema. Era ela, por exemplo, que terceirizava supostos funcionários fantasmas do TCE-MS e que contratava serviços suspeitos.
Conforme apontou a investigação, a empresa servia de cabide de emprego (contratava com altos salários pessoas indicadas pelos conselheiros) e ainda era uma espécie de caixa paralelo dos envolvidos no esquema: foram descontados mais de R$ 9 milhões em cheques com destinação duvidosa e ainda declarados serviços comerciais prestados ao próprio Tribunal.
Para aumentar os indícios, a Dataeasy recebia por tarefas executadas, e não por número de funcionários. As tarefas são exatamente as mesmas realizadas por servidores de carreira.
Contratada em 2017, quando Waldir Neves presidia a Corte, a Dataeasy permaneceu prestando serviços até o ano passado, quando a operação da PF foi desencadeada. Essa continuidade é um dos motivos de o presidente da Corte à época, Iran Coelho das Neves, também ter sido enquadrado.
Um dos contratados pela Dataeasy, que na verdade nunca prestou serviço algum à empresa, é o primo de Waldir Neves, William das Neves Barbosa Yashimoto, considerado faz-tudo de Waldir.
“Constatou-se efetiva manipulação e fraude nos registros do e-TCE a fim de gerar produtividade falsa”, indicou o inquérito.