Os golpes estão por aí. Mas não “cai quem quer”, como diz o funk. A criatividade dos estelionatários para arrancar dinheiro das vítimas e a dificuldade de encontrar os criminosos “sem rosto” para tirá-los de circulação facilitam a perpetuação dos mais diversos tipo de “cilada”. Em 2022, a cada hora, pelo menos sete pessoas foram vítimas do “crime de moda” em Mato Grosso do Sul.
O dado faz parte do Anuário do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), que também mostra o crescimento nos registros de estelionato no Brasil entre 2021 e 2022. No ano passado, quando o país experimentou aumento de 37,9% nos casos de estelionato, ao menos três brasileiros foram vítimas de golpe a cada minuto.
Ao todo, foram 1,82 milhão de registros no país e, proporcionalmente, o maior salto foi entre os golpes por meio eletrônico: mais de 200 mil registros de vítimas desse tipo de crime no país, aumento de 65,2% em relação ao ano anterior.
Em Mato Grosso do Sul, foram 13.332 boletins de ocorrência de estelionato lavrados em 2022, contra 11.608, no ano anterior – variação de 13,8% de um ano para o outro. Boa parte dos crimes, 2.524, foi cometido exclusivamente por meio virtual no ano passado, enquanto em 2021 foram 910 registros de estelionato por meio eletrônico. Neste último caso, o aumento é muito maior, de 174%.
Para especialistas, o aumento de usuários de plataformas na internet, como as de bancos, entrega e aplicativos para a troca de mensagens, impulsionou esses casos nos últimos anos. A prática desses crimes acaba sendo mais vantajosa para os bandidos do que os assaltos, por exemplo, porque não precisam envolver violência e, consequentemente, não envolve outros riscos.
“Roubo a transeunte, a residência, de carga, a estabelecimento comercial: estão todos caindo. Houve crescimento de roubos de veículo e de celular, mas são crimes que estão voltando a tendências pré-pandemia”, explicou Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, em entrevista ao Estadão, acrescentando que crimes patrimoniais estão sendo substituídos pelos estelionatos.
Samira afirma que o golpe “é visto como aquele ‘crime que compensa’”.
A pesquisadora apontou ainda que houve uma espécie de “profissionalização do estelionato” nos últimos anos, com os criminosos mapeando quem são as vítimas mais vulneráveis (idosos, por exemplo) e variando as narrativas para enganá-las.
“Além disso, é muito difícil para a polícia investigar. Em grande medida, não há nem preparo das forças policiais para lidar, inclusive por conta da velocidade com que esses crimes estão crescendo”, completou a diretora.
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O estelionato é o terceiro que mais faz vítimas em Mato Grosso do Sul, ficando atrás só das ocorrências de furto e violência doméstica, segundo matéria publicada pelo Campo Grande News em junho do ano passado, com base nas estatísticas da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública).
Conforme os registros feitos em seis meses no Estado, as histórias inventadas para ludibriar as vítimas eram as mais variadas, do pedido de ajuda para família alemã à vaga de emprego dos sonhos.
Conforme a Polícia Civil, entre os principais golpes está o que envolve o WhatsApp, seja na criação de perfil falso, seja na clonagem da conta. Em qualquer das hipóteses, o golpe é o mesmo, o estelionatário se passa por algum conhecido ou parente próximo e pede uma transferência via Pix, com urgência. O perigo está justamente aí, na pressa. Depois de certo tempo, a vítima percebe que caiu em golpe, mas não há mais como cancelar aquela transação financeira que é instantânea.
Meio milhão em poucas horas
Em maio do ano passado, idosa de 83 anos foi vítima de três golpistas e perdeu R$ 507 mil, entre joias e dinheiro, em Campo Grande. Mas este não foi um crime virtual.
Um dos homens pediu que ela o ajudasse a receber parte dos R$ 298 milhões a que teria direito como repasse de “uma família alemã”, que estaria na Capital.
A idosa foi abordada próximo ao Cemitério Santo Antônio, onde foi pagar taxa de limpeza de jazigos da família, por um homem de meia idade, branco, com olhos azuis, magro e alto, trajando casaco preto, calça jeans e que se identificou como Pedro.
Ele disse que era analfabeto e não sabia “mexer com banco”, mas tinha R$ 298 milhões a receber. Para provar, mostrou documentos dizendo que iria receber a quantia de família alemã que está em Campo Grande.
Durante essa conversa, outro homem, com aparência mais nova, se aproximou: branco, olhos castanhos, estatura média, usando jaqueta e calça jeans e sapatênis preto. Este se identificou como Roberto e falou: “esconde esse documento, é perigoso, muito dinheiro”.
Pedro ofereceu 30% dos R$ 298 milhões para que eles o ajudassem, ou seja, R$ 89,4 milhões. No relato à polícia, a idosa disse chamou até o carro dela para ajudá-los, mas ainda teria que ir a outro cemitério pagar taxa de limpeza.
Depois de longa negociação com os dois homens, Pedro, sempre se mostrando ressabiado, exigiu prova de que poderia confiar na mulher e ela entregou à dupla R$ 7 mil em espécie e um mostruário com joias avaliadas em R$ 500 mil.