A homologação no último sábado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), da delação premiada do tenente-coronel do Exército Mauro Cid relativa ao escândalo das joias faz com que o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), deixe de ser um cabo eleitoral poderoso para se transformar em político “tóxico” a ser escondido no palanque, segundo análise de cientistas políticos ouvidos pelo Correio do Estado.
Para o cientista político Tércio Albuquerque, sem dúvida nenhuma que a proposta de delação apresentada por Mauro Cid que já foi acolhida pelo STF, através do ministro Alexandre de Moraes, vai impactar o PL no Brasil como um todo, particularmente em Mato Grosso do Sul, provocando uma grande reviravolta considerando dois aspectos principais.
“O primeiro é que podemos dizer que cai por terra as pretensões do deputado federal Marcos Pollon (PL-MS) de concorrer à prefeitura de Campo Grande em 2024. Isso porque ele tem uma grande expectativa de que Bolsonaro possa fazer um movimento político que acabaria por influenciar diretamente na sua candidatura e, dessa forma, fortaleceria também a candidatura do ex-presidente em 2026, caso reverta na Justiça sua cassação. Porém, caso Mauro Cid apresente algum tipo de prova que comprometa Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, a influência bolsonarista perderá força”, declarou.
Ele lembrou que quem sustenta o bolsonarismo é o próprio Bolsonaro e, com ele enfraquecido por problemas na Justiça, o PL e seus correligionários vão para o ralo junto com o discurso do ex-presidente de que é incorruptível. “É possível até que uma provável derrocada de Bolsonaro possa afetar, além das lideranças do PL na Capital, também a candidata de sua ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), a atual prefeita Adriane Lopes (PP), fortalecendo a candidatura do PSDB, que terá no comando o ex-governador Reinaldo Azambuja e o governador Eduardo Riedel, dois políticos muito bem avaliados perante à população campo-grandense”, projetou.
Tércio Albuquerque pontuou que, se acontecer uma provável prisão de Bolsonaro, a situação complica ainda mais porque aí o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vem para Mato Grosso do Sul com muita força e vai tentar, seja por aliança, seja de forma indireta, emplacar alguém do PT também nessa disputa política pela prefeitura de Campo Grande. “Dessa forma, Lula fortaleceria o PT no Estado e, portanto, estamos com um cenário bastante complexo e que vai ser redesenhado a partir do momento em que tivermos conhecimento dos pontos contidos nessa delação”, alertou.
Na visão do cientista político, se a delação de Mauro Cid efetivamente comprometer Bolsonaro e colocar em risco a sua credibilidade política, inclusive até com risco de prisão, o bolsonarismo vai sucumbir de vez. “Tereza Cristina vai ter que se fortalecer por seus próprios meios, usando toda a sua capacidade política de gestão e de articulação para ver se consegue consolidar as propostas iniciais com a Adriane Lopes, afastando-se de vez do nome Bolsonaro. Porém, será muito mais difícil essa situação para o PL, tanto nas eleições municipais agora, quanto para as eleições de 2026”, ponderou.
INCÓGNITA
O cientista político Daniel Miranda lembrou que, por enquanto, o conteúdo da delação de Mauro Cid ainda é uma incógnita do ponto de vista da extensão das pessoas que estão implicadas. “Porque o advogado de defesa dele disse que não implica o Bolsonaro, que ele assumiu tudo sozinho. O que é meio estranho, afinal, o principal crime, aquele que ficou público, que é a venda das joias, que, em tese, pertenciam a Bolsonaro, então, como o ajudante de ordens as comercializou sem que o proprietário ficasse sabendo?”, questionou.
Porém, de acordo com ele, independentemente da extensão e das pessoas implicadas de fato, enquanto permanecer fechado o conteúdo dessa delação premiada, não será possível mensurar as implicações dela, principalmente quais são as evidências que o tenente-coronel do Exército apresentou. “Porque não basta, é claro, a pessoa dizer que fulano ou beltrano é culpado de qualquer tipo de crime, ele precisa apresentar provas que vão além do seu testemunho pessoal. Então, enquanto não houver clareza da extensão dessa delação, as pessoas que buscam o apoio político do Bolsonaro ficarão realmente em uma corda bamba. Que é o que está acontecendo aqui em Campo Grande com a prefeita Adriane Lopes, mas também lá em São Paulo com o prefeito Ricardo Nunes, que apoia Bolsonaro, mas, ao mesmo tempo, procura se manter a uma certa distância, caso esse apoio seja excessivamente nocivo”, argumentou.
Daniel Miranda acrescentou que, no caso específico da prefeita Adriane Lopes, ela vai se resolver quando avaliar a extensão da delação e, consequentemente, o impacto que ela vai ter na imagem de Bolsonaro. “Como que essa imagem manchada vai repercutir nas eleições do próximo ano. Porque pode acontecer de as pessoas ainda considerarem, por exemplo, que, apesar de o apoio de Bolsonaro já não ser assim tão forte no próximo ano, ainda seja o suficiente para atrair votos para a prefeita. Por isso, mais importante do que a delação em si, é avaliar qual o estrago que ela fará na imagem do ex-presidente junto ao seu eleitorado do ponto de vista da projeção de votos”, considerou.
O cientista político pontuou ainda que, hoje, são os próprios bolsonaristas que estão se movimentando atrás do apoio de Bolsonaro do que o contrário. “O ex-presidente não me parece ser uma pessoa que esteja se movimentando no sentido de construir candidaturas pelo Brasil afora. Eu penso que existe um movimento muito mais forte dos potenciais candidatos do campo bolsonarista em direção a ele do que de fato Bolsonaro visitando as cidades, indo nas principais capitais para mobilizar as pessoas e tentar fortalecer o partido dele, o PL”, constatou.
De acordo com ele, como isso não está acontecendo, fica meio que uma incógnita também se às vezes vale à pena a pessoa buscar esse apoio porque não há uma mobilização nesse sentido da outra parte. “O Bolsonaro, às vezes, não é uma pessoa muito previsível. Basta ver o que aconteceu ano passado, quando os principais candidatos a governador em Mato Grosso do Sul esperavam a neutralidade dele no 1º turno e, às vésperas da votação, ele declarou apoio ao Capitão Contar (PRTB). Então, todos esses elementos de incertezas por parte de poder contar ou não com o apoio do ex-presidente vão muito além da delação do Mauro Cid em si, que é um elemento a mais de incerteza em todo esse cenário”, finalizou.