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domingo, novembro 24, 2024
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Audiência pública na Assembleia Legislativa debate necessidade de cumprir piso da enfermagem

“Na pandemia, éramos considerados heróis. Agora, esqueceram-se disso”. A constatação é de quem está há 25 anos trabalhando como enfermeira e, durante a pandemia da Covid-19, enfrentou o perigo da morte para salvar vidas. Terezinha de Jesus Silva do Nascimento esteve entre as pessoas que lotaram o plenário da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) na tarde desta segunda-feira (10) para participar da audiência pública “Piso Salarial: Fortalecendo a enfermagem, aprimorando a assistência e as condições de trabalho”. O evento, proposto pela deputada Gleice Jane (PT) debateu a implementação da Lei Federal 14.434/2022, que institui o piso salarial nacional do enfermeiro, técnico de enfermagem, do auxiliar de enfermagem e da parteira.

“O objetivo desta audiência é promover uma discussão ampla e democrática sobre a valorização da enfermagem e a necessidade de se cumprir a legislação do piso salarial desses profissionais”, afirmou a deputada na saudação inicial. “Esta audiência pública busca criar um espaço de diálogo e reflexão, reunindo especialistas, representantes da enfermagem, gestores de saúde, para debater a importância do piso salarial como uma ferramenta de fortalecimento da enfermagem, buscando aprimorar a assistência e proporcionar melhores condições de trabalho”, acrescentou.

A Lei 14.434/2022, aprovada pelo Congresso e sancionada no ano passado, teve a constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão concluída no dia 30 de junho. O Governo Federal já anunciou o pagamento do piso aos servidores públicos de maneira retroativa ao mês de maio. Os estados e municípios precisam, agora, também instrumentalizar o cumprimento da lei. A necessidade dessa implementação motivou a participação significativa da categoria na audiência desta tarde.

O piso previsto na Lei 14.434/2022 é de R$ 4.750 para enfermeiros, de R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e de R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. Em Mato Grosso do Sul, segundo o Conselho Regional de Enfermagem, há 30.804 profissionais na área, sendo 9.419 enfermeiros, 18.209 técnicos e 3.173 auxiliares de enfermagem. A maioria (84%) são mulheres.

A composição majoritária de mulheres entre os profissionais de enfermagem foi destacada pela deputada Gleice Jane. “A enfermagem é composta, em sua grande maioria, por mulheres. E o trabalho das mulheres é invisível. O trabalho de cuidar é invisível. A luta da categoria da enfermagem é uma luta das mulheres”, frisou.

A parlamentar também destacou a necessidade de se cuidar de profissionais que atuam no cuidado das pessoas. “E cabe a nós, parlamentares e ao Governo, essa obrigação de cuidar, de olhar para essa categoria com carinho, com responsabilidade. E essa audiência é uma retribuição carinhosa pelo cuidado que vocês têm conosco, com a população”, discursou.

A importância da implementação da Lei do Piso, luta história de mais de 30 anos, foi reforçada em diferentes vieses em três palestras. Foram debatidos, nessas falas, a valorização da categoria, a questão jurídica e os problemas que podem ser causados pela carga excessiva de trabalho.

Ao falar sobre a necessidade de valorização dos trabalhadores do segmento, a enfermeira Nívea Lorena Torres, a primeira palestrante, discorreu sobre uma realidade de riscos à saúde, baixos salários e alta rotatividade, fatores que motivam o abandono da profissão. Segundo Nívea, que é do Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul, é comum enfermeiros terem doenças osteomusculares (lesões nos músculos, articulações, ligamentos, etc.) e psiquiátricas, devido à natureza do trabalho e à jornada exaustiva. “Cuidar, não simplesmente de um paciente, mas de um ser humano, representa um grande desgaste físico e emocional”, disse.

O problema não se restringe a uma categoria, mas se estende a toda sociedade, segundo enfatizou Nívea Torres. “Uma das conseqüências dessa situação é a redução de acesso à saúde pela população”, citou, acrescentando também como problemas resultantes da precarização das condições de trabalho a redução dos indicadores de saúde e a segurança do paciente. Ela encerrou dizendo que valorização não se limita a palmas e falas sobre a importância do profissional. “A valorização da enfermagem precisa ir além do reconhecimento abstrato. Implementar o piso salarial previsto na Lei 14.434 é corrigir injustiças, é zelar por pessoas que contribuem com o bem maior de todo ser humano, a vida“, finalizou.

Além da necessidade de reconhecimento real do trabalhador de enfermagem, outro assunto que passa pela discussão da implementação da Lei 14.434 diz respeito ao aspecto jurídico. Sobre esse tema, o advogado do Sindicato dos Trabalhadores Públicos em Enfermagem de Campo Grande (SINTE/PMCG), Márcio Almeida, foi enfático ao afirmar que o piso deve incidir sobre o salário-base,sobre o vencimento. “O piso é vinculado ao salário-base. Não se pode ter outra discussão senão essa. Essa discussão é de vital importância”, sublinhou. “Temos que entender que o piso é para o início da carreira. Então, no orçamento devem estar garantidos recursos para todos os acréscimos pertinentes à carreira”.

Outra questão considerada pelo advogado foi a proporcionalidade do piso sobre a jornada. Ele informou que a Lei Estadual 5.175/2018 estabelece jornada semanal de 40 horas para o enfermeiro, enquanto a Lei do Piso, de 44 horas. Na prática, deve-se estabelecer equação, considerando o valor do piso de 44 para o de 40 horas. Assim, o ganho inicial da categoria do enfermeiro, no piso de 44 horas, de R$ 4.750, seria, na jornada de 40 horas, de R$ 4.318,18. O de técnico de enfermagem, de R$ 3.325 (44 horas) passaria a R$ 3.022,72 (40 horas).

Márcio Almeida também explicou que é preciso uma lei estadual que assegure a cumprimento do pagamento do piso. “Os recursos virão da União, mas a instrumentalização do piso se dá através de legislação do poder competente. Então, o Poder Executivo estadual deve se movimentar para dar solução a isso. Deve-se garantir em lei o pagamento do piso. E isso é uma obrigação do Executivo”, explicou.

A relação entre jornada elevada e natureza de trabalho da enfermagem também foi discutido pela presidente da Associação Brasileira de Enfermagem-Seccional Mato Grosso Do Sul (Aben-MS), Arminda Rezende de Pádua, a terceira palestrante da tarde. “É uma grande irresponsabilidade exigir que devemos trabalhar em uma jornada de 44 horas”, criticou. Ela observou que o profissional de enfermagem, como já havia sido mencionado por outros participantes da audiência, submete-se a dois ou três empregos. “Ás vezes, não conseguem acompanhar o próprio filho. Como uma enfermeira terá condições de cuidar de um doente se está preocupada com o filho, que nem sabe se o filho conseguiu ir para a escola?”, questionou.

Arminda de Pádua mencionou estudos nacionais e internacionais que mostram o quanto a jornada excessiva de trabalho provoca erros humanos. “É preciso ter esse olhar para a segurança psicológica do enfermeiro e para a segurança do paciente”, notou. “A enfermagem é fundamentada na ciência do cuidado, desde o nascer à finitude. E a gente carrega na linha do tempo um trabalho desvalorizado. Então, o piso deve ser implementado. É uma forma humana de ser tratado. E é importante que esta Casa e o Governo nos atendam”, finalizou.

Encerradas as palestras, os componentes da mesa de autoridades falaram e, na sequência, ocorreu o debate, com participação significativa dos presentes. Entre as pessoas atentas a todas essas falas, estava Terezinha de Jesus Silva do Nascimento. Antes do evento, ela conversou com a reportagem e rememorou momentos críticos da pandemia da Covid-19. “Era um clima de guerra”, definiu.

“A pandemia foi um diferencial na nossa vida. Tivemos que abandonar família para ficar no hospital. E tínhamos até dificuldade para voltar para casa. Quando o motorista de aplicativo sabia que o passageiro era um enfermeiro de plantão, simplesmente recusava a corrida. A pessoa ficava horas e horas no trabalho e, quando queria voltar para casa, não conseguia”, lembrou Terezinha.

“A enfermagem, assim como outros profissionais da saúde, ficou firme e forte e não abriu mão de trabalhar durante a pandemia. Éramos considerados heróis. Agora, parece que se esqueceram disso”, lamentou-se.

E foi justamente com a pandemia, em 2020, que a luta histórica pelo piso nacional da enfermagem ganhou força. Mas essa trajetória se iniciou no fim dos anos 1980 e foi objeto de diversos projetos de lei no Congresso. A reinvidicação tomou corpo, tornando-se lei no ano passado, no contexto da pandemia, quando a sociedade reconheceu a importância do trabalho desses profissionais.

Audiência pública

O evento contou com a participação de representantes da categoria e do Governo. Além da deputada e dos palestrantes, compuseram a mesa o deputado federal, Geraldo Resende (PSDB), o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Área de Enfermagem de Mato Grosso do Sul (SIEMS), enfermeiro Lázaro Santana, o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social no MS (SINTSS-MS), Ricardo Bueno, e o diretor-geral de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, André Vinicius Batista de Assis, representando o Governo.

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