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terça-feira, novembro 26, 2024
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Entenda por que a Tarifa Zero precisa ser tema central da eleição em Campo Grande

Com 270 mil passageiros diários do transporte coletivo urbano em Campo Grande, a Tarifa Zero nos transportes públicos não é mais utopia e hoje já é uma realidade em 90 cidades brasileiras, além das que adotam o passe livre em algumas linhas ou horários, ou que ampliaram drasticamente o público beneficiado pelas gratuidades nos transportes.

De forma inédita, o sonho de movimentos sociais anticapitalistas encontrou abrigo em gestões da direita e até no empresariado dos transportes. Portanto, agora, o tema tem tudo para se tonar central na eleição deste ano em Campo Grande.

Essa confluência de interesses que deságuam na Tarifa Zero, entretanto, só pode dar uma resposta precária e temporária ao problema maior, que é como os transportes públicos em particular, e a mobilidade urbana no geral, são geridos e financiados no país.

Um dos grandes problemas do transporte público no Brasil é a falta de articulação. Enquanto sistemas de ônibus são pensados de um jeito, geralmente pelas prefeituras, os sistemas metroviários e ferroviários, em regra de responsabilidade dos governos estaduais, seguem por outros caminhos.

Por sua vez, o governo federal apresenta sua própria política, quando tem alguma, de investimentos em infraestrutura associada à mobilidade urbana. E, no meio desse desencontro, estão as cidades brasileiras.

De certa forma, o foco municipalista que ainda dita o tom da Tarifa Zero permite que governos estaduais e governo federal continuem se desresponsabilizando.

Prometido para 2024, o novo salto do número de experiências bem-sucedidas, tanto do ponto de vista social quanto político, deve mudar mais uma vez o cenário, provavelmente abrindo espaço para o debate sobre o Sistema Único de Mobilidade.

Cidade pioneira

A experiência mais exitosa no Brasil começava a nascer na cidade de Maricá, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, também governada pelo PT – primeiramente por Washington Quaquá e, atualmente, por Fabiano Horta. Com seus quase 200 mil habitantes e após vencer uma guerra jurídica contra os empresários dos transportes, Maricá oferece à população os vermelhinhos, como são conhecidos por lá os ônibus sem tarifa.

As experiências de Tarifa Zero começaram a aumentar vertiginosamente após a pandemia. Houve uma queda drástica do número de passageiros, somada à migração dos usuários para os aplicativos ou veículos próprios, e os sistemas de transporte coletivo começaram a colapsar, tanto nas pequenas e médias cidades quanto em algumas capitais. A ideia de abolir as catracas, então, deixou de parecer utopia e se tornou incontornável.

Segundo levantamento do pesquisador Daniel Santini, entre 2012 e 2020, o número de experiências de Tarifa Zero saiu de 16 para 33. E de lá para cá, uma explosão: em apenas três anos, mais de 50 cidades colocaram seus ônibus para rodar gratuitamente. E outras tantas, como São Paulo, Belo Horizonte, Cuiabá e Fortaleza, passaram a debater seriamente a medida.

Hoje, Maricá não é mais a maior cidade com Tarifa Zero, e os ônibus gratuitos ganharam muitas outras cores. A Região Metropolitana de Fortaleza, por exemplo, cujos municípios são em muitos casos geridos pela direita, se tornou um oásis dos ônibus sem catraca. Aquiraz, com aproximadamente 70 mil habitantes, e Euzébio, um pouco menor, ambas com prefeitos do Partido Liberal, permitiram que os passageiros andassem de ônibus sem pagar em 2018 e em 2011, respectivamente.

Entretanto, o salto cearense veio mesmo em 2021, quando Caucaia, com mais de 360 mil habitantes e gerida pelo Partido Republicano da Ordem Social, se tornou a maior cidade brasileira com Tarifa Zero. Em Maracanaú, outra cidade vizinha à Fortaleza liderada pelo PSDB, mesmo não sendo considerada Tarifa Zero, aproximadamente 75% dos usuários já se deslocam sem pagar a tarifa de uma população de quase 230 mil habitantes.

Todas essas experiências pressionam o governo do estado do Ceará, do PT, a adotar a gratuidade nos transportes metropolitanos, política já sancionada e batizada de “Vai e Vem Livre”. Porém, no Nordeste, o Ceará ainda é um caso isolado. Nos interiores do Sul e Sudeste, especialmente de Minas Gerais e São Paulo, a cada semana uma nova experiência é registrada, sendo muitos raros os casos de vinculação ideológica com a Tarifa Zero nos seus termos originais.

A cidade catarinense de Balneário Camboriú, longe de ser gerida e habitada por esquerdistas, adotou em 2023 a gratuidade nos ônibus para seus quase 140 mil habitantes. Ainda segundo Daniel Santini, das 90 experiências de Tarifa Zero registradas até o fechamento deste texto, apenas 14 foram implementadas por partidos de esquerda ou centro-esquerda. A grande maioria tem mesmo as cores da direita, somando 70 experiências, restando algumas para os partidos de centro.

Tese

Nada disso deveria causar espanto. Na tese de doutorado defendida em 2019, ao comparar as experiências de Tarifa Zero no Brasil com as da França, àquela altura muito mais numerosas, mostrei que por lá também havia cidades governadas pela direita a implementar a gratuidade nos transportes e que os sentidos da política podem ser sociais, ambientais e econômicos.

E são os motivos econômicos que tendem a prevalecer. A Tarifa Zero é melhor recebida quando usada para recuperar centros urbanos decadentes ou para reverter a crise do sistema de transporte, o que parece acontecer agora no Brasil.

O campo progressista está começando a se rearticular para disputar o sentido da Tarifa Zero. Em junho de 2023 foi criada a Coalizão Mobilidade Triplo Zero, de caráter nacional e que objetiva articular as pautas e organizações vinculadas ao cicloativismo (zero mortes no trânsito) com as bandeiras e movimentos do direito ao transporte (Tarifa Zero) e os movimentos ambientalistas, que defendem a zero emissões de poluentes.

Esse conjunto de organizações e movimentos visa instituir uma nova legislação para a mobilidade urbana, tendo por base a criação do Sistema Único de Mobilidade. Outro marco foi o lançamento da campanha Busão 0800 em Belo Horizonte, cidade onde a sociedade civil mais pressiona a prefeitura para adotar a Tarifa Zero. O mote é a instituição de uma taxa a ser paga por todas as entidades empregadoras, isentando as micro e pequenas empresas com até nove funcionários, substituindo o ultrapassado vale-transporte.

E no fim de novembro de 2023, o ex-prefeito de Maricá, Washington Quaquá, agora ocupando uma das cadeiras do Congresso Nacional, criou a Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero, provavelmente uma tentativa de devolver à esquerda o protagonismo da Tarifa Zero. Um dos seus aliados nessa empreitada é o deputado Jilmar Tatto, também do PT, um político historicamente vinculado aos transportes públicos.

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