Passados cinco meses do fim do 2º turno das eleições gerais do ano passado, as contas da campanha do candidato a governador de Mato Grosso do Sul Capitão Contar (PRTB) ainda não foram julgadas pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS).
A assessoria de imprensa da instituição informou que o processo de prestação de contas do ex-candidato ainda não foi pautado para julgamento porque está sendo analisado pelo órgão técnico do tribunal eleitoral.
Depois dessa etapa, o processo será encaminhado à Procuradoria Regional Eleitoral, do Ministério Público Eleitoral, e, após concluído, enviado ao gabinete do juiz federal Ricardo Damasceno de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que é magistrado membro do TRE-MS até setembro de 2024, em substituição da juíza federal Monique Marchiolli Leite.
Conforme a assessoria de imprensa do TRE-MS, a Justiça Eleitoral prima pela celeridade na análise dos processos, porém, a prioridade é para os eleitos, tanto é que as contas de campanha do governador Eduardo Riedel (PSDB) já foram aprovadas.
Além disso, informou que a demora no julgamento das contas de campanha do ex-candidato Capitão Contar não significa que elas serão reprovadas ou aprovadas, entretanto, trata-se apenas de prioridades.
DENÚNCIAS
A demora no julgamento pode estar ou não relacionada com a denúncia feita pelo diretório estadual do Cidadania, a qual foi publicada em reportagem pelo Correio do Estado no 2º turno da eleição para governador de Mato Grosso do Sul, sobre a existência de uma possível prática de caixa 2 na campanha do então candidato Capitão Contar.
O diretório do Cidadania listou pelo menos cinco ilegalidades cometidas pela campanha do político, as quais podem ser enquadradas como falsidade ideológica eleitoral ou, como já havia sinalizado a legenda, caixa 2.
O pedido feito pelo partido indica que a candidatura de Capitão Contar não observou a lei eleitoral e não tem declarado devidamente as receitas de sua campanha.
A cessão do imóvel avaliado em aproximadamente R$ 60 milhões para funcionamento do comitê de campanha, o quartel-general (QG) do Capitão, é a maior das irregularidades, porém, há outras, como despesas com pessoal (36 pessoas contratadas) lançadas em valor ínfimo, se comparadas ao fluxo de integrantes trabalhando efetivamente na campanha.
Além disso, não houve o lançamento de gastos com produção de programas de rádio, televisão ou vídeo e contratação de serviços jurídicos. Ainda, irregularidade nas despesas de serviços contábeis, também com valor ínfimo.
O caso mais grave se trata do QG, imóvel de 11,8 mil metros quadrados, localizado em região nobre da Avenida Afonso Pena, no Chácara Cachoeira, em Campo Grande. No bairro, o metro quadrado tem sido vendido, em média, por R$ 5 mil.
O terreno, que conforme as contas de Capitão Contar seria uma cessão de seu então candidato a vice Humberto Figueiró, o Beto, à campanha, pelo módico valor de R$ 10 mil, na realidade, como comprovou o Correio do Estado, não pertence a ele, e sim a um empresário do ramo de peles e comunicação.
O verdadeiro proprietário não consta como doador de Capitão Contar. A área, que na parte em que constam as “receitas estimáveis em dinheiro” da campanha está avaliada em R$ 10 mil, vale cerca de R$ 60 milhões.
O terreno já tem problemas tributários. Na semana passada, o Correio do Estado divulgou com exclusividade que a área tem um débito de R$ 3,8 milhões em tributos na Prefeitura de Campo Grande, e a maioria da dívida é composta de cobranças atrasadas do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que não é pago desde 2011.
Por causa da veiculação da reportagem, a candidatura do Capitão Contar foi à Justiça Eleitoral para retirá-la de circulação. Contudo, o juiz José Eduardo Cury não encontrou irregularidades na matéria e a manteve, rejeitando o pedido da coligação.
“O primeiro ponto que se suscita é que a estimativa apresentada nos autos da prestação de contas parcial é um disparate, de tão ínfima, se comparada com os imóveis daquela região”, alegou o Cidadania.
O partido complementou que a candidatura de Contar desprezou resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determina que, no caso de movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, o bem recebido seja avaliado por preços praticados no mercado, com a identificação da fonte de avaliação.
Mas esse não é o único problema do QG do Capitão. A doação do local é tratada como cessão de imóvel, em que o doador é a pessoa física do candidato a vice-governador Beto Figueiró.
Ocorre que ele, ao informar seus bens à Justiça Eleitoral, nem sequer indicou a área na qual está instalado o QG como sua, terreno que também não aparece em sua declaração de bens.
“Houve sonegação de bens do candidato a vice em seu registro de candidatura”, acusou o Cidadania. Desde a década passada, pessoas jurídicas não podem fazer doações para campanhas.
MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público Eleitoral atendeu ao pedido feito pelo Cidadania para investigar possível prática de caixa 2 na campanha de Capitão Contar.
Segundo o despacho publicado pelo procurador regional eleitoral Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves, no dia 23 de outubro do ano passado, o candidato teria cinco dias para explicar todas as acusações feitas pelo partido, e seu presidente, Édio de Souza Viegas, esclarecer sobre uma suposta prática de caixa 2 na candidatura de Contar e seu vice.
“Nesse sentido, considerando que os fatos merecem uma melhor apuração, determino à seção eleitoral que proceda à autuação do documento como notícia de fato, com as seguintes disposições: […] apurar eventuais ilícitos eleitorais na prestação de contas do candidato ao cargo de governador Renan Contar, no âmbito das eleições de 2022”, asseverou o integrante do Ministério Público Eleitoral.
No mesmo documento, o procurador também determina a expedição de ofício ao candidato Capitão Contar para que se manifeste oficialmente sobre as acusações feitas pelo Cidadania.
“Para instruir aludida apuração, o Ministério Público Eleitoral, pelo procurador regional eleitoral signatário, solicita que, no prazo de cinco dias úteis, vossa senhoria preste as informações e encaminhe os documentos que entender necessários para a elucidação dos fatos narrados na denúncia anexa”, intimou o texto.
“Requer-se, por fim, que sejam acrescentados outros dados que vossa senhoria entender relevantes para a melhor compreensão das questões em comento”, indicou Pedro Gabriel em seu despacho.
O integrante da instituição frisou que o processo de prestação de contas eleitorais encontra-se sobrestado até a apresentação final das contas da campanha, e que receitas e despesas da campanha eleitoral do candidato podem sofrer alterações que terão relevância para a presente demanda.
Esse foi o motivo para que a denúncia feita pelo Cidadania fosse compreendida como denúncia de fato dentro do processo de prestação de contas de Contar.
A prática de caixa 2 em campanha é considerada grave. Pode ser enquadrada desde um ato ilícito até um crime eleitoral. Ou seja, a punição vai desde uma simples multa até mesmo a cassação da candidatura.
PRTB considerou a denúncia “rídicula”
Na época, o PRTB alegou que a denúncia era “falsa, ridícula e criminosa”. “Esperamos que os responsáveis pela falsa denúncia do Cidadania, bem como pelo uso indevido do partido, sejam devidamente punidos na esfera eleitoral e criminal. O eleitor deve saber ainda que a campanha de Contar tem gastos modestos, porque foi financiada com recursos arrecadados na forma da lei, ou seja, dinheiro privado, fruto de doações”.