O MPE (Ministério Público Estadual) arquivou denúncia de maus-tratos que resultaram na morte de uma menina de apenas 2 anos de idade na quinta-feira (26) em Campo Grande (MS) um ano antes do crime acontecer.
Mãe e padrasto da vítima, agora presos suspeitos pelo crime, se livraram um ano atrás com um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), utilizado para crimes de menor potencial ofensivo. O TCO foi registrado em janeiro de 2022, na 10ª Vara do Juizado Especial Central.
Na visão do promotor de Justiça que atua no Juizado Especial e ficou responsável por analisar a denúncia e decidir se iria encaminhá-la para o Judiciário tomar providências, não houve necessidade de dar andamento no caso e optou por arquivá-la.
Isso porque, conforme informado pelo MPE, durante o inquérito da Polícia Civil, a avó e a mãe da criança negaram os maus-tratos. Ainda, o pai da menina, que foi quem comunicou o crime de maus-tratos, disse, em audiência preliminar, que os maus-tratos não voltaram a se repetir.
Porém, no entendimento da delegada Anne Karine, titular da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), o inquérito estava com material suficiente para incriminar a mãe pelo crime de maus-tratos, que pode render pena de até 4 anos de reclusão.
Assim, a delegada encaminhou dois inquéritos: um em dezembro de 2021 e outro em novembro de 2022. “Em razão da atipicidade material do fato o Ministério Público, requereu o arquivamento do feito. Por consequência, a Juíza Eliane de Freitas Vicente acolheu a manifestação do representante do Ministério Público”, informou o MPE.
Enquanto o segundo, em novembro de 2022, chegou a ser registrado junto à 11ª Vara do Juizado Especial, mas não teria sequer sido distribuído ao MPE, conforme nota oficial do órgão. Nesse meio tempo, a menina passou por 30 consultas médicas em postos de saúde e, mesmo assim, o caso não levantou suspeitas dos profissionais de saúde.
Casos de maus-tratos devem ser repassados à polícia ou Conselho Tutelar. Assim, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) confirmou relatos de vômito, febre e também ossos quebrados nos atendimentos feitos à menina, porém, nada foi relatado às autoridades.
O Conselho Tutelar da região norte de Campo Grande recebeu a denúncia de maus-tratos em janeiro. Assim, em maio foi feita uma visita à família. No entanto, o Conselho Tutelar não teria detectado os sinais de agressão contra a criança, que para eles aparentava estar bem e alimentada.
Já quando os conselheiros tentaram novamente fazer outra visita, a família havia se mudado. A alegação é de que o Conselho perdeu contato com a família e, a partir daí, nenhuma outra visita foi feita. Também em maio, vizinhos denunciaram a mãe da criança por maus-tratos contra um cachorro, que acabou morrendo. Por isso, logo em seguida a família se mudou.
Em depoimento, a mulher de 24 anos que está presa pela morte da filha disse que tinha medo de denunciar o atual companheiro. Ela ainda alegou que percebia sinais de abuso na criança quando ela voltava da casa do pai, de quem está separada, mas não relatou ter feito denúncia.
Série de abusos e agressões foram reveladas na noite de quinta-feira (26), após a menina de dois anos dar entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Coronel Antonino já sem vida. Assim, mãe e padrasto da criança foram presos.
Para a polícia, a mulher disse que a filha começou a passar mal na noite de quarta-feira (25), com dores no estômago e vômito. No entanto, deu remédio para a criança, que teria melhorado. Já na quinta-feira, a menina acordou pedindo comida, mas acabou vomitando e relatou novas dores no estômago.
Então, à tarde a menina dormiu, acordando pior já por volta das 15h30. Ainda segundo a mãe, a barriga da criança inchou e ficou dura, quando decidiu levar a filha ao médico. Assim, a mulher alega que a menina começou a ter dificuldades para respirar.
Apesar do trajeto entre a casa e o posto de saúde durar 10 minutos, a médica que atendeu a criança confirmou que a menina já estava morta há pelo menos quatro horas. Também segundo a mulher, os hematomas encontrados na criança teriam sido causados pelo padrasto na última semana. Ela confirmou que o homem tinha hábito de agredir a criança.
Ainda segundo ela, essas agressões seriam ‘corretivos’. Já sobre os sinais de abuso, a mulher alegou que percebia outras vezes o órgão genital da menina avermelhado quando ela voltava da casa do pai. No entanto, não disse ter feito qualquer denúncia pela suspeita de estupro. A mulher ainda afirmou que o padrasto era quem dava banho na criança e que, quando chegava, a menina já estava de banho tomado e vestida.
Por fim, disse que tinha medo de denunciar o companheiro porque ele ameaçava tirar a filha dela. Já o padrasto da menina, também preso, permaneceu em silêncio no depoimento. Enquanto isso, o pai da criança foi ouvido como testemunha. Ele contou que buscava a filha para visitas e ela sempre tinha hematomas pelo corpo.
Por isso, registrou dois boletins de ocorrência por maus-tratos, em novembro de 2022 e dezembro de 2021. Segundo o relato da médica, quando a criança chegou à unidade de saúde, ela já estava morta há pelo menos 4 horas com sinais de rigidez.
Além disso, havia hematomas por todo o corpo e sangramento pela boca. Ainda segundo a médica, a mãe estava estranhamente tranquila e só ficou nervosa quando foi informada que a polícia seria acionada. Ainda nos exames feitos na UPA, foram constatados os sinais de estupro na criança. Com a chegada dos policiais, a mãe negou que tivesse levado a criança até a UPA já morta.
Choros constantes eram ouvidos da casa onde a pequena de dois anos vivia com a mãe, padrasto e irmão. Uma vizinha contou que, na semana anterior, encontrou com a menina e a mãe em um supermercado e tudo aparentava estar bem. Inclusive, disse que não sabia que a menina havia morrido.
Ainda segundo a testemunha, ela ouvia o choro da criança que vinha da residência. Também outro vizinho afirmou que sempre ouvia o choro da criança, mas disse que “criança chora mesmo”.
Com informações do Midiamax